Empenhado e dedicado à causa pública, João Magalhães Pereira, eleito pela primeira vez presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, fala-nos um pouco da sua experiência neste seu primeiro mandato.
Como é do conhecimento público a Câmara Municipal de Lisboa está mergulhada numa profunda crise. De que forma vê a situação política que a cidade atravessa?
É uma situação atípica e historicamente única. Há circunstâncias que são absolutamente tão extraordinárias como o próprio acontecimento. Pela primeira vez há um número de forças políticas representadas que representam uma certa pulverização da vereação. Por outro lado há forças que agem de forma estranha ao próprio pensamento legislativo, por exemplo há vereadores que se achassem que qualquer decisão não era aceitável ou que não correspondia aos interesses da cidade iam denunciar à Polícia Judiciária como manifesto sinal de que alguns interesses desconhecidos estavam a ser satisfeitos com isso. E isso, segundo tenho conhecimento, acontecia praticamente em todas as reuniões de camarárias. Daí que os poderes Policiais e Judiciais com ondas sucessivas destas tivessem de tomar uma atitude. Por outro lado, quando o Presidente da Câmara tomou posse pediu uma sindicância para ter a certeza que ao ocupar um lugar com altas responsabilidades financeiras teria que sanear a situação anterior. O resultado de tudo isto não pode deixar de ser estranho que a conta gotas, e de uma forma sistemática foi-se intensificando, e de arguido em arguido chegou-se ao arguido final que é o próprio Presidente da Câmara. O pensamento das pessoas evolui e a ética é cada vez maior, mesmo vai mais longe que o sê-lo, vai até ao parecêlo e portanto chegou ao momento em que o PSD, através do seu Presidente, achou que era uma situação insustentável e que em Lisboa não podia continuar a haver essa suspeição.
Se for eleito um candidato apoiado por uma força política diferente que apoiou o Eng. Carmona, acha que as relações, os projectos e até mesmo o próprio desenvolvimento da Freguesia podem mudar?
Só vou responder pelo que ouço dosmeuscolegaspresidentesde Junta, que a diferença é abissal. Não no sentido de que seja mais prejudicial ou mais utilitária, não é propriamente isso, é a forma de relacionamento. A vereação tende a presumir a lealdade das Juntas de Freguesia que foram eleitas pela mesma força, portanto, quando necessita de politicamente tomar uma opção que seja de preferência relativamente a um ponto específico, preocupa- se menos a fazê-lo porque espera a lealdade. Têm é de ter o cuidado de comunicar. Nesse aspecto aparece um foco de prejuízo. Por outro lado, o acesso a pessoas que conhecemos previamente, da luta e da vida partidária dá uma aproximação que nos permite com mais facilidade as pequenas coisas serem obtidas de uma forma mais prestes. Tem estes dois lados da moeda que de certo modo é útil para a vida da cidade.
Lisboa é caracterizada por uma população um pouco envelhecida e a Freguesia dos Prazeres não foge à regra. Que actividades e projectos é que a Junta tem para os mais idosos?
Aqui, a média de idades é assombrosamente alta, no entanto vários projectos actuais estão a começar a modificar essa tendência. Dantes a Freguesia estava imóvel na sua população e as perspectivas não eram de grande mudança nesse sentido. Hoje em dia não, há construções que se têm feito de novo de grande qualidade arquitectónica, mas de facto começa a assistir- se a uma volta da população para estas zonas. O assunto com as pessoas de idade é importantíssimo.
Aqui era necessário haver uma porta a porta em todas as circunstâncias. A CML não tem vocação para transportadora e aquilo que faz, fá-lo com dificuldade. A zona de compras, tirando a zona do “Prior do Crato” embora com um comércio bastante diversificado, mas não o suficiente como seria necessário, principalmente em supermercados e tudo o que seja a pequena compra do dia-a-dia, que no caso da zona de Campo de Ourique há em grande quantidade e qualidade. Era necessário haver um porta-a-porta nesse sentido, até porque a Carris não faz esse serviço porque não tem recursos. É um dos nossos projectos pôr um sistema desses a funcionar.
A Freguesia tem um Centro de Dia que foi criado e gerido pelo Frei Miguel Contreiras e pela acção da Santa Casa, que faz a sua acção social e tem dentro um posto da Cruz Vermelha e que já me informaram que vai eventualmente encerrar, portanto a nossa necessidade absoluta é de ter um Centro de Dia e poder juntar aquelas pessoas todas. O problema da terceira idade e dos idosos nesta freguesia não é tanto a idade, mas sim o abandono e a solidão. As pessoas estão abandonadas nos prédios em 3º, 4º andares e águas furtadas onde estão sós e sem possibilidade de estarem a conviver com pessoas. Portanto o Centro de Dia seria outro dos projectos mais importantes. Há várias entidades a trabalhar perto dos idosos aqui na Freguesia, mas necessitaria de haver uma coordenação maior.
Existem pessoas a viver no limiar da pobreza?
Temos uma coisa extraordinária aqui mesmo ao lado do “Dispensário de Alcântara” que são as Irmãs Missionárias do Espírito Santo e temos na outra ponta o Banco Alimentar Contra a Fome. Essas irmãs fazem a distribuição dos géneros do Banco Alimentar e têm tido nesta Freguesia uma acção determinante. É claro que o poder civil tem de ter uma acção específica nesse sentido e é esse também um dos nosso objectivos, mas as coisas demoram o seu tempo porque a nossa sociedade está muito reduzida.
Quais são os principais problemas que o executivo da Junta tem pela frente na Freguesia?
Não deixa de ser estranho mas deveria ser o que acabámos de falar, o da sociedade cumprir a obrigação que tem para com os idosos, masoproblemaprincipal é o da Rua Possidónio da Silva que tem um núcleo de mercado de droga que é insuportável socialmente. Ao demolir o Casal Ventoso ninguém pensou que a droga acabasse nessa zona. O que aconteceu é que a droga mudou de sítio e desceu. Desceu de uma forma terrível e foi para uma rua onde moram as pessoas mais carenciadas da Freguesia. É ali que tudo funciona como um coito, um santuário e as pessoas têm o produto que nunca ultrapassa a quantidade legal, segundo me informam, e arrancam os passeios todos para esconder a droga por debaixo e eu passo a vida a reparar aqueles passeios. No outro dia estava um candeeiro quase a cair. Aquela comunidade está sob o ataque mais variado, primeiro por causa do tráfico de droga, segundo porque as escolas começam a estar em perigo e a certa altura deixam de ter o número suficiente de alunos e o Ministério fecha escolas sem atender ao que isso faz às famílias e às crianças. A Possidónio da Silva faz a ligação entre a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros e em certa altura alguns poderes acharam que deveriam imobilizar os carros que se encontravam em cima dos passeios, e então começaram a bloquear a partir de baixo e a pôr imobilizadores e vejam lá que acabaram os imobilizadores mesmo quando começavam os carros dos traficantes! Vou ser politicamente incorrecto mas vou dizer, o problema da toxicodependência não é um crime mas uma doença e tem de ser tratada como tal.
Sente que de alguma forma há uma procura por parte dos jovens para virem morar na Freguesia?
Sim, assim acontece de facto, porque neste momento a procura continua a não corresponder com a oferta, mas a oferta continua a aumentar e começa a haver prédios que são arranjados por dentro. A causa porque isto está a acontecer é muito dramática. As rendas estão congeladas, as pessoas estão a morrer e por essa causa os prédios começam a esvaziar-se. Os senhorios conseguem o suficiente através do Recria ou de outras vias arranjar por dentro os espaços deforma a que casais novos se interessem por essa situação. A Praça da Armada é uma das mais bonitas de Lisboa e há um prédio que foi arranjado por dentro e está cheio de casais novos. É uma beleza ver-se as crianças cá em baixo a brincar. Nesta Câmara que agora se dissolveu conseguimos uma coisa extraordinária, que foi fazer um projecto específico para a Possidónio da Silva. A Vereadora Gabriela Seara dizia “…Vamos fazer dali uma Rua da Madalena, mas em que não é só as fachadas.”. É claro se aquilo tudo entrar em obras dificulta o tráfico e isso é mais uma coisa que queríamos fazer. Por falar em património, um dos edifícios que tem uma enorme relevância histórica e onde a rainha D. Amélia fazia a sua caridade era precisamente no Dispensário de Alcântara.
Que futuro está reservado para o Dispensário?
O Dispensário de Alcântara que pertencia ao Ministério da Saúde foi vendido à Sagestamo, que é uma empresa imobiliária do Estado, por cerca de 2,5 milhões de Euros e que o colocou no circuito de comercialização. Portanto o mesmo é dizer que o destino é o pior possível. Ou é a descaracterização ou o desaparecimento. Por mais que os próprios aquisidores o queiram conservar, nunca podem ir muito além da fachada, se não, de nada lhes vale o investimento. Como na zona o sistema dos Lofts teve um grande êxito comercial, temo o pior. Sei que entrou no IPPAR um pedido de mudança de uso para habitação, ora fazer ali habitação não é possível fazer sem descaracterizar completamente tanto o exterior como o interior.
O Dispensário está em enorme risco e esta Junta não podia fazer muito contra isso principalmente quando entra no circuito comercial a não ser tentar encontrar entidades que estivessem interessados naquele marco arquitectónico como tal como é. O Ministério dos Negócios Estrangeiros gostaria de fazer do Dispensário uma sala de leitura do arquivo diplomático, sem degradar o interior e exterior. Havia também a possibilidade dos Hospitais Civis de Lisboa fazerem ali o museu da História da Medicina em Portugal. Outra possibilidade era fazer o Museu da Independência e Restauração, algo que não existe em Lisboa. Neste momento o que sabemos é que está em vias de classificação como imóvel de interesse municipal e enquanto estiver assim não se lhe pode mexer nem por dentro nem por fora enquanto a Câmara não disser nada.
Tem-se falado num projecto da Administração do Porto de Lisboa, que consiste em criar um muro com mais de 500 metros de comprimento e cerca de 8 de altura que divide a cidade e o mar, e onde será feito um cais para paquetes de grandes dimensões, que terá hotéis, centros comerciais e zonas de habitação. Que pensa sobre este projecto?
Tenho visto e ouvido muitos projectos da Administração do Porto de Lisboa, qual deles o mais danoso para a cidade. Já vemos muros em Berlim, já vemos muros na capital do Chipre, vemos muros infelizmente a nascer na Palestina e em Israel. Nós vemos muros a separar o México dos EUA e há uma coisa que a gente sabe: Os muros nada resolvem, só complicam. O muro ao mesmo tempo tinha uma vantagem é que mostrava claramente à vista que Lisboa não é gerida de uma forma democrática.
É gerida pela CML na sua génese que é completamente democrática e por uma administração que é nomeada por razões que são exclusivas de interesses governamentais, pelas quais não tenho nada, mas de qualquer das formas são entidades que são nomeadas e que se arrogam a definir a cidade sem ouvir os habitantes e é algo que é absolutamente insuportável. Neste projecto da requalificação da Baixa-Chiado vejo a ideia da construçãoemmilhõesdeeuros, com um terminal de cruzeiros em frente a Alfama para pôr lá navios gigantes, onde o horizonte fica tapado por estes monstros flutuantes cuja rentabilidade é igual ao seu tamanho.
Temos em Lisboa e nesta Freguesia duas gares marítimas como não há no mundo, a Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos e a Gare Marítima de Alcântara, que são marcos arquitectónicos da Arte Deco, como não há, inclusivamente com pinturas de um dos nossos e mais extraordinários pintores modernos e estão no meio de contentores com 5 e 6 metros de altura.
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